sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Evento com a Pós

O que é a pós-graduação?
Como se organiza um projeto de pesquisa?
Qual o “sentido geográfico” de um tema?
Existe vida durante a Pós?(Sacaram?)


Na próxima semana, realizaremos uma atividade com várias pessoas que estão atualmente trabalhando na pós-graduação. A atividade será realizada no Instituto de Geociências. Venha tirar dúvidas e ganhar conhecimento acerca de temas diversos, conversando com os próprios envolvidos no processo. Confira abaixo os dias e horários:

31/08 (3ª-feira):
Gloria Milléo - A expansão do ensino a distância como fenômeno geográfico
Valeria Ysunza - Multiterritorialidades e tensões sociais no Istmo de Oaxaca (México)
Alanda Lopes - Agricultura Moderna x Agroecologia
Pedro Maia - Representações do semi-árido nordestino no cinema nacional.
Sala 204 - Início às 14 horas.

02/09 (5ª-feira):
Daniel Paixão - O chão e as falas de uma cidade em fragmentos
Marcus Farias - A territorialidade da Igreja Universal do Reino de Deus
Fernando Lucci - Música e geografia: análise da obra Choros de Heitor Villa-Lobos
Glauco Vieira - Geografias de cinema: paisagem, representação e experiência
Sala 208 - Início às 14 horas.

Contamos com sua presença!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Dinâmicas do espaço urbano e formas espaciais: o caso de São Domingos e seu entorno (Niterói/RJ)

Dinâmicas do espaço urbano e formas espaciais:
o caso de São Domingos e seu entorno (Niterói/RJ)

CAYRES, Gustavo; FRAGA, Marcelle; GUINANCIO, Egle; ANACHE, Bernardo; PINHO, Miguel; QUINTANA, Juliana.

INTRODUÇÃO
Niterói é uma cidade integrante da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. O município tem uma população 474.000 pessoas e uma área de 129.375 km² (IBGE, 2007). Nosso objeto de estudo envolve três pequenos bairros na região das Praias de Baía de Guanabara. São Domingos, Boa Viagem, e Gragoatá, apesar de juntos representarem uma parte reduzida da área e da população do município, são emblemáticos pelos processos que ocorreram ali, e que nos ajudam a entender a cidade como um todo.

BREVE HISTORICO
Por ocasião da morte em 1816 de D. Maria I, mãe de Dom João VI, o monarca passa parte de seu luto em São Domingos, pouco tempo depois a aglomeração é alçada a categoria de vila , Em 1819 é editado o Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande com projeto de embelezamento em São Domingos e construções de várias ruas na Praia Grande, normas de edificação (gabarito, muros, alinhamentos).
O Ato Adicional à Constituição de 1824, em 1834 elevou-a à condição de cidade e capital da província do Rio de Janeiro e transformou a cidade do Rio de Janeiro, então a capital do Império, em um Município Neutro. A condição de capital trouxe uma série de aparelhos urbanos como a barca a vapor, iluminação pública a óleo de baleia, abastecimento de água e novos meios de transporte para ligar a cidade ao interior da Província.
No ano de 1841 o novo plano urbanístico , indicava o arruamento de Icaraí (tabuleiro de xadrez) e Santa Rosa e outras vias de ligação, como a destruição da gruta que impedia a comunicação da Praia das Flechas a Praia de Icaraí (1849). O plano foi totalmente implementado em 1854, privilegiando a ocupação do Centro de Icaraí.
Em 1904, com a volta da capital para Niterói (transferida anteriormente para Petrópolis com a Revolta da Armada), tem início edificações de prédios públicos que constituem até hoje um representativo acervo arquitetônico, grande parte inspirada no ecletismo em voga na época (1904 – Prefeitura Municipal; 1908 – Correios, Estação de Barcas, Câmara Municipal e a Câmara no Largo do Rocio, atual Jardim São João). Datam ainda deste período, a abertura da Alameda São Boaventura no Fonseca, o aterro e urbanização do Campo de São Bento, a avenida da Praia de Icaraí; o desmonte do morro da Dr. Celestino, o aterro dos mangues de São Lourenço; a construção da Praça da República e a urbanização do Barreto e ainda, alguns melhoramentos urbanos como iluminação à gás (1904), inauguração da primeira linha de bondes elétricos ligando o Centro à Icaraí (1906), alargamento da Rua da Conceição (1907), alargamento da Estrada Leopoldo Fróes (1909), inauguração da rede central de esgotos (1912).
A década de 40 foi um período de modernização na cidade, após a decretação do Estado Novo (1937-1945) e a consolidação de Ernani do Amaral Peixoto como interventor do Estado do Rio de Janeiro. Fazendo parte do plano de remodelação e extensão da cidade de Niterói, tem início o projeto de abertura da Avenida Amaral Peixoto, nos mesmos moldes e época da abertura da Avenida Presidente Vargas na cidade do Rio de Janeiro.
Com a fusão do antigo estado do Rio de Janeiro com o estado da Guanabara em 15 de março de 1975, Niterói deixa de ser a capital, transferindo o título para o Rio de Janeiro. A construção da Ponte Costa e Silva (Rio-Niterói) se dá em 1974. Neste período ocorre um redirecionamento de investimentos públicos, da especulação imobiliária, da infra-estrutura e da ocupação voltados para os bairros da Região Oceânica da cidade e para o Rio de Janeiro, em prejuízo das áreas centrais de Niterói. Houve então o alargamento e reurbanização da orla de São Francisco até o Preventório e da Praia de Piratininga, recuperação e reabertura da Estrada Velha de Itaipu, alargamento do acesso a ponte Rio-Niterói.
Através deste histórico torna-se evidente a vinculação das intervenções urbanas com o momento político, não só da cidade, mas do estado e do país, influenciado em grande medida por sua proximidade com o Rio de Janeiro.
O Bairro de São Domingos pode ser considerado um dos locais mais antigos, guardando na sua história fatos importantes que o levaram a merecer esse destaque. A começar pelas obras dos primeiros planos de urbanização da cidade de Niterói no início do séc. XIX, em que gradativamente transformaram o bairro de São Domingos através de novos arruamentos e construções que facilitaram também o deslocamento de pessoas e mercadorias para outras áreas da cidade como: Centro, Ingá e Icaraí.
A história do Gragoatá está intimamente ligada ao bairro de São Domingos, sendo na verdade um prolongamento do anterior, sendo considerado o menor bairro de Niterói e que apresenta menor número de habitantes.
O bairro da Boa Viagem possui ocupação e urbanização recentes e passou nos últimos anos processos acelerados de construção de edifícios residenciais, bem como o aumento dos serviços oferecidos. Contudo, o início da sua ocupação foi dificultada pela topografia, que devido suas características naturais impediam o acesso.

O LÓCUS E A AÇÃO DOS AGENTES (RE)MODELADORES
São Domingos, Gragoatá e Boa Viagem eram valorizados durante sua ocupação inicial, passando por uma posterior degradação, com o deslocamento do eixo do crescimento da cidade na direção de Icaraí e Região Oceânica. Ser um subúrbio próximo ao centro deixou de ser fator atrativo, devido ao desenvolvimento dos transportes e aos transtornos típicos de centro urbano. Hoje, são dotados de certa heterogeneidade na sua composição social, coabitam, residências populares, como cortiços, pensionatos, prédios e condomínios destinados às classes A e B.
São Domingos é composto por pequenos comércios diurnos, como uma oficina de mecânica, ateliês, bares e restaurantes, que exercem um papel na oferta de serviços do bairro, diferente de sua original função residencial. Soma-se a isto a presença de um mercado informal de alimentos e bebidas na Praça São Domingos. Em junção ao local está o Gragoatá, que comporta o campus central da UFF. Ao seu lado situa-se a pequena comunidade de baixa renda Via 100, atrás da antiga Oficina Cantareira, que hoje abriga uma casa de aluguel para festas e, ambos os espaços tombados pela Secretaria de Cultura, por fim, logo adiante esta o empreendimento Gragoatá Bay, grande condomínio residencial de classe média em construção. Já o bairro de Boa Viagem possui prédios de classe média e ainda, casario antigo com a fachada degradada, estando alguns abandonados ou à venda.
Para além da UFF e dos aparelhos supracitados, o bairro possui um clube poliesportivo, praças, e, tem consigo o trunfo da proximidade do centro de Niterói e da capital carioca. Desta forma pode atrair um público dito selecionado, disposto a empenhar capital em empreendimentos imobiliários. A construção do condomínio Gragoatá Bay se encaixa justamente neste ponto, pois baseia-se no discurso de revitalização da área, para servir um novo e diferente público, concomitantemente renovando as formas e funções do espaço.
Vemos, portanto, uma tendência que ainda não aparecia na cidade. Enquanto cresce a especulação no sentido da região oceânica de Niterói, situação observável também em outras cidades como o Rio de Janeiro com os condomínios de classe média alta na Zona Oeste, os chamados “enclaves fortificados” (Caldeira, 1997), observamos a valorização de áreas antes tidas como obsoletas e estagnadas (situação que ocorre também no Rio de Janeiro, como no caso da Lapa) ocupadas por empreendimentos imobiliários de mesmos moldes: “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho”, justificados sobre a questão da violência urbana e, nesse caso, pela proximidade com os Centros de Niterói e do Rio de Janeiro.
Nos enclaves em áreas pobres, nosso caso, vemos um espaço mais homogêneo (o enclave) inserido num espaço heterogêneo (contrastando com essa heterogeneidade), mas resguardando-se da diferença ao fechar-se em si (Caldeira, 1997).

REFORMA URBANA: DESVALORIZAÇÃO E REVALORIZAÇÃO DA ÁREA
A discussão do termo Reforma Urbana terá como alicerce três princípios fundamentais: o direito à cidade que prevê moradia digna, saneamento ambiental, saúde, educação, trabalho, lazer, segurança, transporte público, alimentação e informação, de maneira indiscriminada e equitativa; a gestão democrática das cidades, que busca garantir a participação dos cidadãos em todas as decisões tomadas para a cidade em que vivem e; a função social da cidade e da propriedade, o uso justo do espaço urbano, servindo aos interesses coletivos.
Isso está baseado na idéia de “desenvolvimento urbano” de Marcelo Lopes de Souza (2003), que passa pelo questionamento do desenvolvimento econômico puro e simples, ou seja, crescimento e modernização tecnológica. Esse desenvolvimento parcial pode conter políticas de embelezamento ou revalorização que conferem prestígio a certas partes de grandes cidades. É esse tipo de prática que aqui abordamos, uma vez que temos indicativos de um processo de especulação imobiliária e remoção de populações pobres locais.
Nesse sentido, criticamos os territórios improdutivos e as revitalizações de espaços centrais que acarretam a marginalização da pobreza. Dessa maneira, obtém-se o desenvolvimento sócio espacial, que não deve acirrar as desigualdades, mas ir além do puro crescimento econômico e da modernização. Como estamos discutindo uma pequena porção da cidade de Niterói, podemos ainda pensar em termos de desenvolvimento urbano, para além do aumento da complexidade local, chegando à qualidade de vida e à redução das injustiças sociais do todo da cidade.
Ao que chamamos acima de desenvolvimento urbano, pode ser associada a “Reforma Urbana”, enquanto à complexificação (ou crescimento) urbana podemos associar aquilo que Souza chama de “reforma urbanística”. Esta última estaria ligada apenas a uma remodelação do espaço físico, conservando a estrutura social da cidade como um todo de maneira que atenda aos interesses hegemônicos do processo. No sentido oposto, a “reforma urbana” possuiria objetivos ligados ao desenvolvimento urbano, coibindo a especulação imobiliária, reduzindo as disparidades intra-urbanas e democratizando o planejamento e gestão do espaço.
Assim, além de não podermos caracterizar este processo como reforma urbana segundo Souza (2003), também é problemático utilizarmos o termo revitalização. Pelo simples significado da palavra, que presumiria a ausência de vida local. De acordo com Sánchez, a “renovação urbana” visa atrair investimentos locais, comumente ligados a argumentos de recuperação econômica, renascimento da cidade ou mesmo excelência dos serviços urbanos. É pertinente destacarmos o projeto do “Caminho Niemeyer”, em Niterói, como projeto de “revitalização urbana”, no sentido criticado acima.
Assim, vemos uma reestruturação “a um só tempo, econômica espacial e simbólica” (Sanchez, 2003) que tende a fragmentar o social em benefício de outros objetivos. No caso, vemos um empreendimento imobiliário numa área de ocupação antiga, degradada e próxima ao centro, “esquecida” pela especulação, um projeto de valorização de uma praça em função de suas características históricas e originais e uma alternativa de tráfego (um problema recorrente em Niterói) que visa compensar o resgate da imagem tradicional da praça. Para justificar a intervenção, é necessário tomar a área como subutilizada, degradada, sem vida etc.
Esta idéia de degradação está presente no discurso e nas práticas do Estado e agente imobiliários, similares ao pensamento de Ernest Watson Burgess (1920) e Homer Hoyt (1939) e outros autores da chamada Escola de Chicago. Conforme exposição de Bradford e Kent (1987), observamos em modelos de estrutura da cidade áreas residenciais de classes baixas, ou “de transição” associada à marginalidade, ou “zonas deterioradas”, como em uma estrutura de anéis (complexificada ou não, de acordo com o modelo) que parte do CBD (o Central Business District) passa pela área marginalizada e, posteriormente, por áreas residenciais de alto padrão econômico.
É essa área dada como obsoleta, sem atividade econômica e marginalizada que será alvo dos projetos de intervenção urbanística tratados por Fernanda Sánchez. É o que observamos em nosso recorte espacial da cidade de Niterói, que se insere no projeto do “Caminho Niemeyer” com a lógica de valorização do consumo de empreendimentos culturais e de lazer, de associação do investimento público com o capital, da prática do city marketing, da valorização de alguns edifícios característicos do local e do “urbanismo espetáculo” (Sánchez, 2003). Isso mostra uma maneira de intervir no urbano cada vez mais conectada ao contexto do capitalismo flexível, valorizando a competição e reduzindo o papel de atuação direta do Estado.
Nos casos tratados pela autora, e também neste, as políticas urbanistas se mostram excludentes ao pressupor que a vida local, se existe, precisa sofrer uma intervenção no sentido do que o poder público entende como “melhoria”. Esse “desenvolvimento” do local pode ser questionado pelos argumentos de Souza (2003) e da própria Fernanda Sánchez (2003). Para o primeiro, assistimos a um processo de reforma urbanística, para a segunda, vemos a mercantilização da cidade, segundo os interesses do capital privado sobre áreas dadas como obsoletas. Não chamaremos, portanto, esse processo de revitalização, renascimento ou reforma urbana.

FORMA, FUNÇÃO, PROCESSO E ESTRUTURA: REFLETINDO A PARTIR DE MILTON SANTOS
Podemos ainda, observar como são importantes as reflexões de Milton Santos sobre a organização do espaço. Estamos tratando de uma situação que evolui no tempo e, por isso, utilizaremos conceitos espaço-temporais. São os conceitos de forma, função, estrutura e processo para descrever as relações que explicam a organização do espaço. A “forma é o aspecto visível da coisa” (pp.50); a função constitui um papel a ser desempenhado por ela; a estrutura refere-se à maneira pela qual os objetos estão inter-relacionados entre si; o processo é uma estrutura em seu movimento de transformação, implicando tempo e mudança. Para o autor, isso garantiria uma possibilidade de reflexão holística sobre o espaço geográfico quando os quatro termos são utilizados em conjunto.
Vemos essa espaço-temporalidade pensada por Milton Santos nestas categorias. No momento de ocupação urbana da área, tivemos formas condizentes com seu contexto desempenhando funções próprias àquelas materializações (moradia, lazer, estética, religiosidade etc.), necessárias e produzidas por uma dada estrutura social na integração às formas que estavam presentes na área naquele momento e também de outras, para além desse recorte.
A dimensão do processo aparece quando observamos o uso e as condições atuais de todo esse aparato construído, ainda presente em grande parte. A sociedade se transformou muito desde a produção das formas ainda presentes. Ainda que muitas destas formas tenham continuado visíveis na paisagem, observamos mudanças em suas funções e relações entre si e com a sociedade.
Essas mudanças (ou permanências) de forma e função numa estrutura, todas variando através do movimento histórico, constituem um viés de análise do espaço geográfico desta área, que tomamos como objeto empírico para nossas constatações. Milton Santos vê esse tipo de análise, através dessas categorias, como uma maneira de fazer uma análise “holística” do espaço geográfico. Utilizamos, assim, esse recurso teórico neste intuito.

O PODER PÚBLICO E A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
O raciocínio que será descrito a seguir nos levará ao encontro às idéias de Corrêa (1993) e Santos (1985) quando destacam que o espaço urbano é um produto social em permanente transformação. Este resultado ocorre graças às ações acumuladas ao longo do tempo pelos agentes sociais.
Como agentes hegemônicos temos o poder público, representado pela prefeitura de Niterói e os agentes imobiliários que especulam com o valor da terra e dos imóveis na região. Através de sua influência nas decisões do Estado, o capital imobiliário conseguiu que a prefeitura iniciasse obras de revitalização de duas praças degradadas no entorno do Gragoatá Bay, valorizando o empreendimento. Segundo o “Estudo e relatório de impactos de vizinhança – Construção de empreendimento imobiliário” realizado em 2008:

“A legislação proposta para área prevê um adensamento populacional. Este aumento de moradores permitirá uma requalificação urbana com impactos positivos sobre o conjunto arquitetônico da APA-U de São Domingos, Gragoatá e Boa Viagem, onde os imóveis de interesse de preservação certamente serão utilizados para comércio e serviço que será fortalecido, gerando a sua revitalização.”

O trecho citado acima deixa clara a intenção do poder público e do capital imobiliário em realizar uma “limpeza da área”, retirando a comunidade da Via 100. Ela está justamente onde deveria a passar a Via 100, antigo projeto que propunha a construção de uma via de ligação que passaria atrás da rua principal, Cel. Tamarindo, até o Caminho Niemeyer em Boa Viagem. A atual rua, Cel. Tamarindo teria de volta à sua paisagem os bondes, dos quais hoje, restam apenas os trilhos.
A baixa densidade demográfica da área estudada e a grande parte do casario que se encontra sem uso ou refuncionalizada tornam-se então grande atrativo ao poder imobiliário, não só devido às facilidades de locomoção que a área possui, mas também a proximidade a áreas de lazer como museus, praças, ciclovias e culinária. Percebemos que a paisagem será alvo de uma reforma urbanística, visando o enobrecimento da área, já que está esquecida no passado convive hoje com classes populares e casario ocioso.

OS MORADORES
A área que compõe o estudo mescla condomínios de classe média e cortiços, vilas ou comunidades de baixa renda. Esta situação tende a tornar as relações muito delicadas, principalmente para no que diz respeito ao grupo mais pobre destacado acima. A apropriação pelos grupos excluídos, que vêem nestas moradias a possibilidade de ficarem próximos do centro da cidade, além disso, não dispensam grandes valores para ali residir, já que estão à margem do processo capitalista de acesso a moradias e não contam com o apoio do Estado. Na área analisada temos então o cortiço 48 em frente à Praça da Cantareira em São Domingos e, a comunidade da Via 100, entre o campus da UFF e o Gragoatá Bay onde segundo a associação de moradores faz uso da terra sem nenhuma regularização, tornando este espaço um alvo fácil para as ações de Estado e imobiliárias.
A análise do ”Estudo e relatório de impactos de vizinhança – Construção de empreendimento imobiliário” nos leva a crer que, para os agentes da especulação, o empreendimento Gragoatá Bay será a peça-chave da revitalização da área e seu entorno, pois o documento considera que o empreendimento tem consigo o peso de uma mudança do perfil local, trazendo de volta o status de área nobre da cidade. Sua inserção na paisagem cria esta expectativa, onde a intervenção na área a partir deste empreendimento atrairá mais o poder imobiliário, devido a uma nova estrutura social que cria novas formas e funções, expulsando os moradores pobres da área, eternamente fadados a não contar com o direito de uma moradia digna e acesso aos serviços básicos.

CONCLUSÃO
Vemos, portanto, que o trecho que analisamos passou por três momentos com relação à valorização imobiliária (e, por conseqüência da ocupação e da especulação locais). Primeiro, um momento de valorização quando da ocupação urbana da área, de quando datam a maioria das construções locais; segundo, um momento de desvalorização e abandono pelo capital, período do qual resultam as atuais formas locais, pouco conservadas e subutilizadas em muitos casos; e, por último, um momento atual de revalorização através de investimentos públicos e privados, com base numa idéia de valorização do antigo, aliada à “revitalização” e marketing urbanos. Isso endossa a teoria espaço-temporal de Milton Santos.
A ameaça de remoção da comunidade da “Via 100”, por onde passaria a via alternativa de trânsito à recuperação dos padrões originais da praça é um fato importante. O condomínio em construção se utiliza do projeto da via como marketing enquanto a comunidade sofre com a incerteza da remoção. Isso indicaria uma política de homogeneização do espaço por parte do poder público e do capital imobiliário, que pouco se preocupam com a questão da segregação socioespacial e com as condições de vida da população que se encontra no local.
Como solução seriam necessários instrumentos e políticas que garantissem a permanência das populações locais. Isso significa geração de renda, regularização imobiliária, acessibilidade e outras medidas a fim de evitar as pressões pela especulação imobiliária e pela própria carga de impostos (IPTU). É a partir daí que podemos incluir de fato o pequeno caso que estudamos, ficando claramente impossível associá-lo ao termo reforma urbana. Isso porque ele presume a retirada de população pobre local, a construção de um empreendimento imobiliário de classe média alta que poderia ser incluido na categoria dos “enclaves fortificados” (Caldeira, 1997) e políticas de embelezamento, “revitalização” e city marketing (Sánchez, 2003).

BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, Francisco de. São Domingos – Berço Histórico da Villa Real da Praia Grande e da Imperial Cidade de Niterói. Niterói: Niterói Livros, 2008.
AZEVEDO, Marlice Nazareth Soares de. Niterói Urbano: a construção do espaço da cidade. In “Temas de História de Niterói. Cidade Múltipla”, Ismênia de Lima Martins &Paulo Knauss (org.). Niterói: Prefeitura de Niterói, Secretaria de Cultura, Fundação de Arte de Niterói, 1997.
BRADFORD, M. G., KENT, W. A. Geografia Humana: Teorias e suas aplicações. Lisboa: Ed. Gradiva, 1987.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Enclaves fortificados: a nova segregação urbana. São Paulo: CEBRAP, 1997.
CAMPOS, Maristela Chichano. Riscando o olo – o primeiro plano de edificação para Vila Real da Praia Grande. Niterói: Niterói Livros, 1998.
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993.
RODRIGUES, Ferdinando de Moura. Nictheroy 1576-1978 – Breve histórico da ocupação do Município. Niterói: X Congresso Nacional de Municípios. IDURB , 1986
SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos Ed. Universitária, 2003.
SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
SOUZA, Marcelo Lopes ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
WEHRS, Carlos. Niterói. Cidade Sorriso – A história de um lugar, Rio de Janeiro, 1984

O artigo acima foi escrito pelo núcleo do PET Dinâmicas do Espaço Urbano e apresentado no XVI Encontro Nacional de Geógrafos em Porto Alegre.

Atividade com Calouros da Geo (12.08)

TRABALHO DE CAMPO - Transformações no perímetro urbano da BOA VIAGEM

Na noite do dia 12 de agosto percorremos com os calouros da Geografia da UFF a orla de Boa Viagem (Niterói-RJ), com o intuito de integrá-los à universidade e apresentar o Grupo PET-Geografia-UFF.

Seguimos então pelo o entorno do campus onde está situado o Instituto de Geociências da UFF e expusemos as diversas escalas geográficas em que o lócus se encontra mostrando aos novos estudantes alguns conceitos fundamentais da Geografia Urbana. Com isso demonstramos a importância do trabalho de campo na pesquisa em geografia.

Trabalhamos principalmente os seguintes temas: O conceito de Desenvolvimento Urbano; o Histórico de ocupação do Bairro; o funcionamento da dinâmica urbana e como atuam os agentes modeladores do espaço; os conceitos de Milton Santos sobre Forma, Função, Estrutura e Processo; como se dá o processo da especulação imobiliária e; por fim o conceito de Lugar

Ao londo do percurso, realizamos algumas paradas como a no forte do Gragoatá para expor os conceitos de forma, função, estrutura e processo, já mencionados acima, onde discutimos sobre as transformações ocorridas no uso do forte através da história.

Mas adiante trabalhamos os conceitos de Reforma Urbana e Reforma Urbanística e suas implicações. Na comunidade Via 100, que corre o risco de remoção dos moradores devido a valorização do local, mostramos a situação local após o inicío da construção do condomínio Gragoatá Bay.

Por fim, na Cantareira, discorreremos sobre como as pessoas vivenciam o espaço e criam relações afetivas com este, através do conceito de Lugar.

O trabalho de campo foi considerado satisfatório pelo grupo (PET) e foi bem recebido pelos calouros, o que nos proporcionou o êxito de nossas intenções de levar aos futuros geógrafos a importância de estar sempre atento a paisagem que nos cerca.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

CINEMA E CONSTRUÇÃO DE IMAGINÁRIOS SOCIAIS: VISÕES SOBRE O MUNDO ÁRABE

Gabriel Balardino, Illen Gustavo, Larissa Lima, Léa Conceição, Natalia Sales, Tayná Barros

INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado pretende fazer uma análise crítica a respeito da representação da sociedade e da cultura árabe em filmes alternativos e nos chamados blockbusters, percebendo as diferentes perspectivas apresentadas pelos mesmos, à medida que, retratando-se e retratando o “outro”, nota-se um jogo de diferentes concepções de mundo.
Pretende-se entender como esse tipo de construção é feita e como as ideologias nelas estão contidas. Mais particularmente, busca-se compreender como o cinema representa o chamado “Oriente” e que tipo de representações vincula sobre os mesmos, seja minimizando a complexidade e a riqueza presentes no espaço ou atribuindo significações para o mesmo.

CRIAÇÃO DE IMAGINÁRIOS, ORIENTALISMO E O MUNDO ÁRABE.
O cinema é uma ferramenta criadora de imaginários sociais. O conceito de imaginário que esta sendo utilizado no presente artigo se aproxima do conceito de imaginário-fonte definido por BARBIER (1994). Segundo o autor, “imaginário-fonte é a faculdade de criação radical de formas/figuras/símbolos, tanto psíquico quanto social-históricos, que se exprimem no representar/dizer dos homens”. Por essa definição, o imaginário prescinde de um sujeito para se manifestar, realizando-se como uma interação entre o sujeito e o real. Em relação a esta característica temos que o

Imaginário não é um potencial que ativa a si mesmo, mas uma instância que precisa ser mobilizada por algo que lhe é “externo”, seja pelo sujeito (Coleridge), a consciência (Sartre), a psique (Freud), ou pelo social-histórico (Castoriadis) e, acrescentaríamos, pelo fictício, que desenvolve as potencialidades do imaginário, pois é invenção que transgride os limites do factível. (BARBOSA, 2000)

Levando em conta estas definições, o cinema seria um desses elementos utilizados pelo sujeito no processo de interação e interpretação da realidade, ao incorporar e reproduzir imaginários. O imaginário, porém não é um elemento passivo neste processo, mas atua sobre a sociedade e influencia na relação desta sobre o mundo, assim:

Para Dufrennes, pelas grandes imagens, nós aprofundamos nossa percepção do real. Elas constituem o verdadeiro imaginário percebido como qualidade de percepção do real que exige uma prática, uma ação em relação a este real. (BARBIER, 1994)

O imaginário é uma das bases de construção do estereótipo, atuando na forma como a sociedade interpreta o “diferente”. Além disso, o processo de criação de imaginário também atua na legitimação de discursos para a construção de um efeito de verdade. O processo de criação de um imaginário acerca dos povos árabes se relaciona com o fenômeno do Orientalismo.
O Orientalismo, da forma como estamos analisando, pode ser entendido como a construção de uma imagem estereotipada do “Oriente” realizada pelo “Ocidente”1, este último atuando na construção de um modo de pensar sobre o primeiro. Desta maneira o “Ocidente” protagoniza um processo de legitimação de práticas de dominação através do discurso de uma “superioridade” perante o “Oriente”. A definição aqui tratada aproxima-se daquela definida por Said como “um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente’” (SAID, 2001).
Desde muito tempo, Oriente foi tido como o contraponto ao Ocidente. As principais colônias européias do século XVIII, principalmente da França e da Inglaterra, se situavam no chamado Oriente. Este, para os colonizadores, representava a imagem mais expressiva do Outro, a experiência do contraste. À medida que os europeus passaram a ter um maior contato com a “cultura do Oriente”, desencadeou-se um crescente interesse por parte de estudiosos, aventureiros e colonizadores por assuntos referentes a tudo o que dizia respeito a essa região. Em tal relação se cunha a figura do orientalista, que podia ser desde o escritor e estudioso do Oriente, ao colonizador e comerciante europeu nas suas relações com a Ásia. Esta contextualização histórica permite revestir o conceito de orientalismo sobre outros prismas, assim:

O orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição organizada para negociar com o Oriente – negociar com ele fazendo declarações a seu respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o, colonizando-o, governando-o: em resumo, o orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente. (SAID, 2001)

Portanto, a relação do Oriente e o Ocidente não é uma relação entre iguais, mas uma relação de subordinação, na qual são usadas estratégias para que tal cenário se mantenha. Dentre elas têm-se o uso do cinema como ferramenta de difusão de representações constituindo um fator de grande importância e de utilização entre os atores hegemônicos na busca de manutenção do status quo. Em contrapartida, há uma forma de fazer cinema produzido por outros agentes na busca por gerar uma nova representação acerca dos povos do Oriente.
Analisar a representação do Oriente no cinema envolve não limitar o estudo às grandes produções, mesmo tendo-se consciência de que o peso delas é maior e mais difundido do que o das produções alternativas. Entender o papel do cinema nas representações espaciais e as tensões geradas entre os diferentes agentes na busca de instituir uma dada visão de mundo é então de vital importância para se entender a relação entre Oriente e Ocidente.

REPRESENTAÇÃO ESPACIAL, CINEMA E IDEOLOGIA
As representações espaciais inseridas na produção fílmica não são meras reproduções da realidade, estas estão enraizadas dentro do contexto dos discursos. O discurso é a prática que delimita o grau de relevância e legitimidade que determinadas idéias e ações podem vir a ter. Essa prática está vinculada à produção de significados responsáveis por tornar o mundo ao nosso redor inteligível. Este conceito está intimamente ligado às relações de poder:

Seguindo Michel Foucault, o discurso é o sítio onde as relações de poder e conhecimento são articuladas e onde os procedimentos de inclusão e exclusão são definidos (Sarmento, 2004)

No jogo das representações espaciais, as considerações acerca das relações de poder, analisadas pelo viés do discurso, são de tamanha importância para se compreenderem as imagens de lugares e pessoas que chegam até nós através do cinema e as significações vinculadas a estas. No caso, por exemplo, das grandes produções hollywoodianas, as representações de outras regiões como as do Oriente Médio estão atreladas a imagens e significações associadas aos interesses das grandes corporações. De maneira mais clara, ver o Oriente Médio através de naturalizações de idéias e concepções acerca do mesmo, pode ser vantajoso para um determinado grupo de pessoas, seja por interesses econômicos ou políticos.
É do interesse político do Estado americano, por exemplo, a vinculação da imagem dos árabes e dos mulçumanos com a imagem da violência e do terrorismo. Na divulgação destas associações através da mídia, sendo o cinema um bom exemplo, o Estado norte-americano se utiliza de uma estratégia para a legitimação da guerra.
Essa relação entre representação espacial e discurso pode ser, ainda, exemplificada quando associada ao conceito de paisagem. A imposição de paisagens-tipo associadas a determinadas regiões não deixa de ser uma tentativa de uma estereotipização de uma determinada região. Podemos remeter às imagens de paisagens do deserto, sempre associadas ao Oriente Médio:

No contexto das paisagens, o poder é a capacidade de impor uma definição específica do ambiente físico [por exemplo] que reflita os símbolos e os significados de um grupo particular de pessoas. O poder pode ser visto como a capacidade para impor uma definição específica da realidade (Sarmento, 2004)

Além de imagens que remetem a um determinado tipo de paisagem, outras também costumam ser associadas ao que chamamos de Oriente. Os povos do Oriente há muito tempo são tidos, por exemplo, como exóticos, primitivos, promíscuos, bárbaros, ignorantes. Estas características associadas aos povos do Oriente pelo Ocidente são expressas numa representação hegemônica que se faz presente também no cinema, especialmente nos chamados blockbusters.
Após os atentados de 11 de setembro velhos estigmas foram reafirmados e novos passaram a ser produzidos. Atualmente, a imagem do Oriente, especialmente dos povos árabes, está muito mais atrelada à ideia da violência, do terrorismo, do machismo e da barbárie do que do misticismo.

AS REPRESENTAÇÕES DOS ÁRABES NO CINEMA
O documentário Filmes Ruins, Árabes Malvados, baseado no livro Reel Bad Arabs do autor Jack Shaheen, apresenta uma análise crítica da visão denegridora do mundo árabe tradicionalmente veiculada pelos filmes hollywoodianos. No filme, o diretor Sut Jhally expõe a forma deturpada como é retratada a imagem do árabe, que sempre encarna a figura do mal, sendo subjugado pela figura heroica do ocidental.
Entre os vários filmes citados no documentário, podemos enfatizar Gladiador (2000), True Lies (1994) e, até mesmo, o clássico da Disney Aladdin (1992), sendo este inclusive alvo de severas críticas por conter cenas moralmente questionáveis, que reforçam a visão desvirtuada que temos do árabe. O desenho conta a história da paixão entre Aladdin, um jovem pobre, e a princesa do reino no qual vivem. A relação é impedida pelas leis e costumes orientais. Fica evidente que o heroísmo de Aladdin consiste na defesa que o personagem faz de valores externos à sua cultura, como o desejo de ascensão social, pois o filme chega ao clímax quando esses costumes são suplantados em prol da justa união do casal apaixonado, que se casa apesar de pertencerem a classes sociais distintas.
Outro filme que merece destaque é Regras do Jogo (2000), do diretor William Friedkin. Este filme é um ótimo exemplo de como o poder da imagem pode ser usado. No longa, é mostrado o julgamento de um grupo de soldados acusados de abrir fogo contra uma multidão de árabes desarmados. Ao final, é provado que os árabes, incluindo crianças, é que atiraram contra os soldados, que apenas se defenderam. Em apenas uma cena, o filme é bem-sucedido em fazer com que o espectador inverta sua posição de simpatia aos árabes, em favor dos americanos.
Em contrapartida a todo o processo de estereotipização dos árabes através das grandes produções cinematográficas, via representação hegemônica associada ao “Mundo Árabe” e processo de construção de um imaginário acerca do mesmo, há outra gama de produções fílmicas que se utilizam de um discurso bem diferente dos chamados blockbusters. Este tipo de produção é conhecida tanto pela comunidade cinematográfica quanto pelo senso comum como “produção alternativa”. São os chamados “filmes alternativos”.
Os filmes ditos alternativos são conhecidos pela sua baixa visibilidade nos grandes circuitos, bem como pelos seus orçamentos de produção considerados baixos. Mas isto não é regra. Na realidade, o termo “cinema alternativo” é bem genérico e nele está contido uma gama de filmes com diferentes características. O que queremos ressaltar em nossa análise, é que os filmes que se utilizam de uma representação acerca dos povos árabes desconstruída daquela dita hegemônica, em sua maioria estão inseridos nesta categoria (cinema alternativo).
Como já foi dito anteriormente, as grandes produções cinematográficas em muitos casos são patrocinadas por grandes empresas e/ou por órgãos governamentais. Logo, esse tipo de produção pode carregar em si um discurso ideológico “orientalista” produzido consciente e/ou inconscientemente que influencia na produção de um estereótipo sobre os povos árabes. Diferentemente destas produções, outras se utilizam de um discurso bem diferente deste último. São produções que retratam os povos árabes de forma humanizada, não “vilificando-os” como fazem muitos dos blockbusters. Estas produções muitas vezes não costumam estar associadas a empresas ou ao governo, ou se associados exercem certa “independência criativa” com relação aos mesmos. Não costumam também estar presente nos grandes circuitos, sendo considerados por isso mesmo alternativos.
Dentre estes filmes, podemos destacar inicialmente as produções de alguns cineastas israelenses como Amos Gitai (Free Zone, 2001), Eazran Kolirin (A Banda, 2007), Yoram Honig (Uma Lição de Paz, 2006), Ari Folman (Valsa com Bashir,) B. Z. Goldberg (Promessas de um Novo Mundo, 2001) e Eran Riklis (Lemon Tree, 2008, e A Noiva Síria, 2004). São diretores que representam o cenário do cinema alternativo mundial, especialmente do cinema produzido no Oriente Médio.
Elogiados pela crítica, mas não muito conhecidos pela população no geral, são diretores que, com certa diversidade de enfoques e gêneros, apresentam em seus filmes uma abordagem comum: o conflito no Oriente Médio, que para estes últimos aparece como uma guerra absurda responsável por criar um ciclo de violência sem sentido. Inspirados em intelectuais, como o escritor Amós Oz, como o citado Edward Said, apontam como a única solução possível para o conflito: dividir a terra, praticar a tolerância e conviver civilizadamente.
Podemos citar o exemplo do filme Lemon Tree (2008) do diretor Eran Riklis. Lemon Tree conta a história de uma palestina que vê sua plantação de limões ameaçada após a mudança do Ministro da Defesa de Israel para uma casa ao lado dos limoeiros, bem na fronteira entre Israel e Cisjordânia. Além de mostrar uma postura sensível sobre o conflito árabe-israelense e a problemática das fronteiras, o filme tem como mérito mostrar uma imagem extremamente humanizada tanto dos personagens árabes como dos personagens israelenses. Na realidade, essa é uma característica comum presente tanto em Lemon Tree, quanto em muitos outros filmes deste tipo, ao contrário de muitos blockbusters, os quais representam os personagens árabes como verdadeiros vilões e, ao mesmo tempo, os personagens ocidentais como heróis.
Além destes filmes citados, temos também as produções realizadas no Oriente, que por razões evidentes, também apresentam outra visão sobre o mesmo, a qual nós ocidentais não estamos acostumados. Podemos citar o cinema alternativo iraniano, cujos representantes são os cineastas Abbas Fiarostami, Jafar Pahani, Mohsen e Samira Makhmalbaf.

CONCLUSÃO
Por essa análise, nota-se, portanto, que o cinema pode ser feito baseando-se em estereótipos já existentes, criando-os e recriando-os a todo o tempo e contribuindo para a disseminação e incorporação de imagens e símbolos associados aos árabes. Como já comentado, a criação de um imaginário sobre os árabes, e os orientais no geral, vai emergir do que Said denominou de Orientalismo.
Tendo-se acesso somente a algumas grandes produções cinematográficas, estas possuindo uma abrangência e divulgação muito maior que as produções alternativas, ao se pensar o “árabe”, a primeira referência é a dos estigmas criados sobre o Oriente. Estes estigmas tendem, inclusive, a ser reproduzidos por outras mídias, como, por exemplo, jornais e revistas. O “Ocidente” tenderá a ver os árabes de uma forma simplista e malévola, o que contribui para a legitimação de ações de dominação, a partir do momento em que o árabe vai ser enxergado como um inimigo. Isto gera um cenário xenófobo e hostil.
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1 Cabe ressaltar que “Oriente” e “Ocidente” são conceitos que consideramos equivocados, na medida em que tal separação é por si mesmo uma construção social, mas por questões metodológicas estaremos utilizando-os em nossa análise.



BIBLIOGRAFIA

BARBIER, R. Sobre o imaginário. in: Em Aberto, Brasília, ano 14, n. 61, jan./mar. 1994, p. 15-23

BARBOSA, J. A arte de representar como reconhecimento do mundo: O espaço geográfico, o cinema e o imaginário social in: GEOgraphia – Ano. II – No 3 – 2000

SAID, E. Orientalismo: O Oriente como um invenção do Ocidente. Rio de Janeiro: Cia de Letras, 2001

SARMENTO, J. Representação, Imaginação e espaço virtual: Geografias de Paisagens Turísticas em West Cork e nos Açores. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.