sábado, 27 de novembro de 2010

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PRÁTICAS ESPACIAIS: O ORIENTE NO CINEMA HOLLYWOODIANO

LIMA, Larissa; SALES, Natalia
Universidade Federal Fluminense
snataliarj@yahoo.com.br, larissalima_uff@yahoo.com.br


Palavras – Chave: Representações, Práticas Espaciais, Cinema.

Introdução

Há tempos vêm sendo elaborada uma representação hegemônica do que denominamos Oriente. O processo de construção de tal representação relaciona-se com determinadas práticas sociais, neste caso, com o imperialismo europeu do século XIX e a criação de símbolos e estereótipos associados ao Oriente por parte do pensamento ocidental. Esses estereótipos foram sendo reproduzidos ao longo dos anos e foram influenciando na construção de um imaginário sobre o Oriente. O imaginário construído, por sua vez, influenciou e influencia na produção do espaço.
Como já dito, a construção de uma representação hegemônica do Oriente relaciona-se com a prática da colonização. As principais colônias européias do século XIX, principalmente da França e da Inglaterra, localizavam-se no chamado Oriente. Este, para os colonizadores, representava a imagem mais expressiva do Outro, a experiência do contraste. À medida que os europeus passaram a ter um maior contato com a “cultura do Oriente”, desencadeou-se um crescente interesse por parte de estudiosos, aventureiros e colonizadores por assuntos referentes a tudo o que dizia respeito a essa região.
Desta forma, no século XIX iniciou-se um processo de produção de imagens, escritos e discursos sobre o Oriente. Neste processo, a construção de uma representação hegemônica sobre a região foi se cristalizando. Estereótipos sobre os povos do Oriente foram sendo criados e reproduzidos até os dias atuais. A partir de novos acontecimentos, especialmente de ordem geopolítica, essas representações foram sendo modificadas ou reafirmadas.
Como ferramenta reprodutora desses estereótipos, o cinema tem um papel essencial. Na produção fílmica ocidental que se utiliza de imagens do Oriente prevalece o olhar do conquistador. Neste sentido, vê-se comumente o Oriente representado como um lugar místico e exótico, e seus habitantes, um povo primitivo, bárbaro e promíscuo, para citar alguns exemplos.

Objetivos

O presente trabalho pretende se pautar nas questões citadas para analisar as representações do Oriente no cinema ocidental, no caso hollywoodiano. Com base na análise de três filmes selecionados, de épocas e gêneros diferentes, buscaremos mostrar como o Oriente é representado no cinema de Hollywood e associar esta representação com as práticas espaciais, seja para entender a origem dos estereótipos expressos nestes filmes ou para relacionar a reprodução destes estereótipos e a produção do espaço, por meio de políticas territoriais.

Metodologia

Para tentar entender como o Oriente é representado no cinema hollywoodiano, selecionamos três filmes que representam de uma forma ou de outra o Oriente: Lawrence da Arábia (1962), Aladdin (1992) e Homem de Ferro (2008). Todos são produções hollywoodianas, sendo os dois primeiros considerados clássicos para os respectivos gêneros, aventura e animação. Marcando épocas diferentes, os filmes são considerados “grandes produções” pela quantidade de recursos levantados para a sua elaboração bem como pela quantia arrecadada em suas bilheterias.
Lawrence da Arábia, dirigido por David Lean, é baseado na autobiografia do militar inglês, T. E. Lawrence o qual durante a 1ª Guerra Mundial, desiste de sua função de cartógrafo no Cairo para seguir numa missão sugerida pelo Departamento Árabe, do Ministério Britânico para Assuntos Estrangeiros. No contato com os árabes, Lawrence, interpretado por Peter O’toole, desenvolve uma aliança política, e, ao mesmo tempo, uma relação de afeto com os mesmos, alimentada pelo seu fascínio pelo deserto e pelos beduínos. O inglês incentiva a idéia de uma Revolta Árabe contra os turcos, que insultaria na união das tribos árabes e teria como objetivo o controle da região pelos próprios árabes.
Aladdin é um clássico de animação dos estúdios Disney com direção e produção de Ron Clements e John Musker. O filme narra a história de um jovem pobre, morador do reino de Agrabah, que vê seu destino modificado após se deparar com o gênio da lâmpada mágica, ganhando o direito de realizar três desejos. Vivendo de pequenos furtos, o personagem sonhava viver no palácio do sultão. Logo, Aladdin guia seus desejos em torno da vontade de se tornar príncipe e poder se casar com a princesa de Agrabah, Jasmine. Ao fim da história, mesmo depois de descobrir a verdadeira identidade de Aladdin, o sultão aprova o casamento do primeiro com sua filha, Jasmine. O herói se casa sem antes utilizar seu último desejo para libertar o gênio.
Já o Homem de Ferro baseia-se na história em quadrinhos criada por Stan Lee em 1963. Com direção de Jon Favreau, o filme narra a história do empresário Tony Stark, interpretado por Robert Downey Jr., que é seqüestrado por terroristas e obrigado a construir uma arma devastadora. Em seu cativeiro, o personagem constrói uma armadura e passa a utilizá-la para combater seus inimigos, transformando-se no “Homem de Ferro”.

Resultados Preliminares

Com base na análise dos filmes selecionados pôde se constatar a presença de uma série de estereótipos associados ao Oriente. A partir da caracterização destes estereótipos, foi possível ter uma noção do olhar predominante que os ocidentais têm do Oriente e de seus povos. Também foi possível relacionar uma série de implicações no espaço geradas a partir da reprodução deste olhar.
Em Lawrence da Arábia, apesar das tentativas de compreensão do povo árabe, prevalece no filme uma visão etnocêntrica. Um aspecto desta visão está no fato de os personagens árabes serem vistos como pertencentes a um mesmo grupo, como uma cultura homogênea. As diferenciações internas (as diferentes tribos) são citadas em várias cenas do filme, mas para o espectador prevalece o olhar de um inglês, no caso do Lawrence, que enxerga os árabes não como haritas, howeitats, ageylis, ruallas etc, mas apenas como árabes.
Outro fator que exemplifica o etnocentrismo citado é o papel que o personagem de Lawrence desempenha no filme. Na figura de Lawrence, concentram-se a idéia de modernidade, ousadia, inteligência, coragem, piedade e bondade. Lawrence é o herói da história, aquele que une as tribos árabes (retratadas como coadjuvantes) para um ideal nobre. Frente aos personagens árabes, em vários momentos, ele é aquele que detém a razão pois, mesmo contrariando os conselhos dos primeiros, está sempre correto. Em diversas cenas os árabes aparecem como atrasados, ignorantes e ingênuos.
O exótico e o místico estão presentes no filme na representação das paisagens do deserto. Este último como um lugar esplêndido, fantástico e misterioso. Esta representação está relacionada ao fascínio que Lawrence possuía pelo deserto.
É importante ressaltar que os estereótipos aparecem de maneira mais sutil neste filme em comparação aos outros dois (Aladdin e Homem de Ferro) e que os orientais, apesar de tudo, estão mais humanizados. Alguns personagens árabes aparecem em algumas cenas como inteligentes, sensíveis e até mesmo conscientes de sua própria estereotipização. Isso se observa nas palavras do personagem Xarife Ali na cena em que Lawrence decide voltar para o Cairo para se encontrar com os ingleses: “No Cairo, você vai tirar essas roupas engraçadas, vestir calças e falar de nossos hábitos estranhos, bárbaros. Aí acreditarão em você”.
Aladdin, até por se tratar de uma animação voltada para o público infantil, não demonstra ter esta preocupação. O filme se utiliza de quase todos os estereótipos já construídos acerca do povo árabe, tais como os que remetem à questão da violência, da barbárie, da sensualidade, do exotismo, do misticismo, entre outros.
No filme, Agrabah, na Arábia, é tida como uma cidade de “mistério e encantamento”, como nas palavras de um personagem na primeira fala do filme. O filme corrobora essa imagem, na medida em que remete seguidamente à questão do misticismo e da magia, dando destaque ao papel do deserto. No filme, as areias do deserto se transformam em um tigre cuja garganta abriga uma Caverna dos Tesouros. Além disso, percebe-se também outras referências deste tipo no cotidiano dos personagens: tapetes voadores, cobras hipnotizantes, além da figura do próprio gênio.
Mas os estereótipos que mais chamam atenção são os que remetem à questão da sensualidade e da violência. Sobre o primeiro, o exemplo mais significativo seria a personagem Jasmine. A princesa usa uma roupa semelhante às roupas das odaliscas que aparecem no início do filme (outra referência à questão da sexualidade), mesmo se tratando de uma princesa. É possível notar que a roupa da princesa desta história, que se passa no Oriente, é bem diferente da roupa das princesas européias das quais a Disney já retratou em seus filmes, concebidas de uma forma muito mais recatada. É nítida a associação com a sensualidade por se tratar de uma princesa árabe.
Já a questão da violência e da barbárie está contida em muitos elementos do filme. Há cenas que fazem referência a lei mulçumana a qual estabelece o corte das mãos como punição para o roubo. Mas a referência mais explícita estaria contida na versão original da primeira estrofe da música de abertura do filme, Arabian Nights. Os últimos versos da estrofe dizem: “Where they cut off your ear/ If they don’t like your face/ It’s barbaric, but hey, it’s home”(Onde cortam sua orelha/ Se não gostarem do seu rosto/É bárbaro, mas hey, é o nosso lar”).
O Homem de Ferro é o filme mais recente em comparação aos outros (2008) e, ao mesmo tempo, é o mais direto em seu discurso. Como já dito, o filme baseia-se na história de um personagem de quadrinhos criado por Stan Lee em 1963, no contexto da Guerra do Vietnã. Na história original, Tony Stark, um reconhecido empresário da indústria bélica, aproveita o momento de instabilidade para melhorar os armamentos do exército norte-americano e, consequentemente, aumentar sua fortuna. Em visita ao Vietnã, Tony sofre um acidente com uma bomba e alguns vietcongues o capturam e o levam até seu líder, Wong Chu. Este o prende e o força a preparar uma arma poderosa, mas espertamente, ele inventa uma espécie de armadura, transformando-se no Homem de Ferro e derrotando as tropas inimigas.
Percebe-se que na adaptação para o cinema há uma mudança na história. Os vilões passam a ser afegãos e não mais vietcongues. Com a mudança de contexto histórico e dos interesses militares norte-americanos, a história passa a abordar a questão do terrorismo. Assim, os personagens orientais, em sua maioria, são retratados como terroristas, cujos objetivos envolvem a conquista da região a partir da posse de armamentos modernos.
Quando os afegãos não são retratados como assassinos/cruéis, aparecem como vítimas salvas pelo herói norte-americano. É bem claro o modelo de herói que se pretende ter como referência neste filme; um herói patriota, que defende os interesses econômicos e militares da maior potência mundial. Sendo o Homem de Ferro a personificação da “América”, tenta-se reforçar os EUA como imbatíveis, poderosos, entre outras características.
É interessante salientar que o longa utiliza um estereótipo dos povos orientais que não contém nos outros filmes: o do “árabe terrorista” ou, neste caso, do “mulçumano terrorista” - pelo fato da ação se desenrolar no Afeganistão -, havendo vinculação a um acontecimento marcante do início do século XXI : os atentados de 11 de Setembro.
Portanto, esta representação não está presente nos outros dois filmes, pois datam das décadas de 1960 e 1990, respectivamente. Neste caso, podemos fazer uma associação bem direta entre as práticas espaciais e as representações. Embora o terrorismo esteja associado à questão da violência, a difusão da associação entre este ato de violência específico e o povo árabe e mulçumano é recente.
O filme também constitui um ótimo exemplo para se analisar a questão oposta: a das influências das representações sociais nas práticas espaciais, ou seja, na produção do espaço. O filme legitima o envolvimento dos Estados Unidos na guerra contra o Afeganistão através da utilização da imagem de um herói americano lutando contra os inimigos afegãos. Com a impregnação dessa associação no imaginário das pessoas e com a reprodução desses estereótipos, o apoio à presença militar dos Estados Unidos no território afegão é, certamente, maior.

Referências

BARBOSA, Jorge Luiz. Geografia e cinema: em busca de aproximações e do inesperado. In CARLOS, Ana Fani A. (org.) A geografia em sala de aula. São Paulo: Contexto, 1999, p.109-133.

BARBOSA, Jorge Luiz. A arte de representar como reconhecimento do mundo: O espaço geográfico, o cinema e o imaginário social in: GEOgraphia – Ano. II – Nº 3 – 2000.

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Rio de Janeiro: Cia de Letras, 2001.

LOBO, Júlio. Parábola de Caim redentor (Islamismo, eurocentrismo e manipulação de temporalidades na filme inglês Com as horas contadas). In Revista Audiovisual – Ano I -Nº1-2003.